sábado, 13 de novembro de 2010

O Boteco-Hellcife

Hellcife


Nos velhos dias do Boteco eu costumava escrever sobre os shows. Mas a coisa ficou burocrática quando se transformou numa cobrança: se por acaso eu não fazia um texto sobre show em tal cidade, as pessoas de tal cidade achavam que era por descaso, ou por não ter gostado. Obviamente nunca teve nada a ver com isso; escrever ou não escrever é só questão de ter acontecido algo específico que renda um texto. E nem sempre isso acontece, por mais que se force a barra. Mesmo sendo bom, às vezes não dá vontade.


Mas aí fui tocar em Recife ontem, e acabou sendo uma noite tão surreal que deu.

Marco Zero abarrotado. Mesmo com alguns empecilhos técnicos pra gente no palco, o show foi foda. Lá de cima a visão era impressionante: rodas de pogo se formando, pessoas cantando, vivendo, curtindo. Uma lindeza só.

Temos muitos amigos na cidade, nos sentimos em casa. É ir pra lá e filar uma bóia na casa de um por exemplo, encontrar a galera das bandas e tomar uma uvaroska em algum canto. É conforto. Isso somado a um público ardoroso e massivo fez com que descêssemos do palco doidos pra aprontar alguma coisa. Otto, Bactéria, Jorginho e outros velhos chegados nossos estavam na área e nos levaram para uma festa estranha com gente esquisita que eu adorei. De cara encontrei Paulo André e depois Rogê, que ia discotecar. Música alta, uísque vagabundo e todos dançando descontroladamente naquele hospício maravilhoso.

Antes que eu constatasse minha própria perda total, tomei a sábia decisão de sair dali. Já nem sabia mais meu nome, hora de ir embora. Minha Pedra me enfiou num táxi cujo motorista estilo Buena Vista Social Club ouvia uma salsa, rumba ou sei lá o quê nas alturas. Astral total. Ele lá dirigindo com seu panamá e eu no banco de trás me sentindo em Cuba.

Fomos o caminho inteiro xavecando o motora pra que ele nos desse, ou vendesse, o tal CD. Chatos pra caralho, devíamos estar. Ele não dizia palavra. Dava um sorrisinho misterioso por baixo da aba do chapéu e tocava o bonde. Quando nos deixou em Boa Viagem, simplesmente estendeu para trás a mão, com o disco.
“O Melhor do Merengue”. 137 mp3 de puro suíngue.


De um lado, o hotel. Do outro a praia e o sol começando a subir, laranja e ansioso, no horizonte. Praia, claro. Num arroubo hippie pós-balada, resolvemos entrar no mar. De roupa e tudo. Quer dizer, meninos de cueca - que é quase uma sunga.
Eu de vestido branco.


As ondas batiam nas pernas, o sol subia cada vez mais furioso, e me lembrei da intimidade que tinha com praia e de que há muito tempo eu não fazia isso. Fiquei ali curtindo meu momento sereia ébria por alguns instantes, e então atravessei a rua com o vestido pingando, a alma lavada e o tênis seco nas mãos.

Ainda bem que eu lembrei de tirar o tênis.

Fonte: O Boteco

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